Muro de papelão do Roger Waters (Pink Floyd) esteve no Brasil em abril
O ano está apenas começando mas dificilmente se verá, aqui no Brasil ou lá fora, um show mais impressionante do que The Wall, o espetáculo composto por Roger Waters para o Pink Floyd. O cenário é cinematográfico, os efeitos idem. O espetáculo desembarca por aqui nos primeiros dias de abril e promete ser inesquecível. Helicópteros parecem se aproximar ferozmente, e o som quadrifônico espalha o rugido dos motores pelo estádio, enquanto explosões pontuam toda a extensão do telão.
Uma réplica de um avião de guerra da Royal Air Force desce da torre de iluminação e colide com o muro, como se estivéssemos em um Vietnã portátil. Logotipos da Shell e da Mercedes caem no abismo junto a símbolos como a estrela de Davi, a cruz católica. Um retrato de Mao Tse Tung é estilhaçado na tela, assim como outros de aiatolás e generais. Nos tijolos do muro (de 137 metros de largura), fotos de centenas de retratos de perseguidos políticos.
O show custa US$ 200 mil por dia (perto de R$ 340 mil), segundo disse à reportagem o chefe de produção da turnê, Chris Kansy. The Wall, do Pink Floyd, encheu o Morumbi, em São Paulo, nos dias 1º e 3 de abril com 70 mil pessoas por dia (há ingressos para o segundo).
É um titã tecnológico. Seis torres gigantes de som circundam o público. Marionetes colossais de mais de 100 metros de altura contracenam com a banda. Um muro continental é construído e demolido. Ópera-rock de 1979 do grupo britânico Pink Floyd, revisitada sob a batuta do seu compositor, o baixista Roger Waters, levou 80 mil pessoas em duas noites ao Estádio Nacional de Santiago, nas últimas sexta e sábado.
Idealizada há três décadas para espaços fechados, agora foi repaginada para estádios e arenas gigantes. “Dedico esse show a Victor Jara, e a todos os torturados e desaparecidos”, discursou Waters em Santiago. O dramaturgo e poeta Victor Jara foi torturado e fuzilado pela ditadura Pinochet em 1973.
Política
A atualização política do show é tão vertiginosa quanto a metralhadora que Waters dispara na segunda metade do concerto. Uma das canções foi dedicada ao brasileiro Jean Charles de Menezes, assassinado pela polícia britânica com 9 tiros em 2005, ao ser confundido com um terrorista (Waters chega mesmo a cantar seu nome improvisadamente dentro de um verso).
“Há 32 anos, quando escrevi The Wall, acreditava que era minha história. Agora vejo que algo maior, é de todas as pessoas que lutam contra a guerra. Abarca temas amplos e a luta do indivíduo contra a autoridade”, afirmou, em entrevista coletiva.
Se o leitor puder, não perca o show: a reportagem visitou suas engrenagens no Chile, a convite da produção, e ficou estupefata. O interior do Estádio Nacional virou um hotel 5 estrelas, com buffets gigantescos, lounges, bunkers de produção local e internacional – no Chile, 400 pessoas trabalhavam no backstage, 160 delas chilenos. Leva 6 dias para montar o circo inteiro.
De cidade em cidade, a produção treina corais de meninos de instituições carentes para o coro de Another Brick in the Wall Part 2. No Chile, 16 garotos enfrentaram o boneco gigante do professor fascista criado pela mente delirante do artista visual Gerald Scarfe.
Os tijolos do muro gigante, que atravessam o estádio de lado a lado, são de papelão especial. Segundo Kansy, que já trabalhou com o U2, o maior inimigo do show é a chuva, embora 40% do muro esteja coberto. A coordenação de vídeo é inédita. Slogans em forma de grafites são bombardeados e repetidos no telão. Big Brother is Watching You, diz um deles. A palavra Capitalismo e Coca-Cola viram sinônimos. Durante a execução de Thin Ice, surge o retrato da figura que motivou a obra de Waters, seu pai, Eric Fletcher, morto em 1944 durante um bombardeio em Anzio,Itália.
O show tem um intervalo de 20 minutos entre a parte um e a parte dois. É um tempo bom – no intervalo, vestidos com as fantasias de soldados fascistas, os rapazes da banda tiravam fotos com fãs e suas namoradas no backstage.
Um dia antes do show, noChile, Waters pediu para se encontrar com a guapa Camila Vallejo, líder dos estudantes revoltosos de Santiago.“A educação deveria ser igual para todos”, disse. Em La Moneda, sede do governo, pediu ao presidente Sebastián Piñera para ver a sala onde Salvador Allende se matou, acossado pelos militares.
O filho do baixista, Harry Waters toca acordeon ao final do show, com o muro destruído – toda a banda junta, no palco, faz uma versão acústica de Outside the Wall, que parece música havaiana. Waters toca trompete. É aí que se vê que foram necessários três guitarristas (incluindo o veterano Snowy White) e um cantor para fazer a parte do ausente mais sentido do show – o guitarrista David Gilmour.
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